sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Depois


"Sento-me à beira-mar, tentando que os raios de sol me devolvam calor à alma. A pele aquece com o passar do tempo, mas cá dentro tudo permanece gelado.

Tentaste ensinar-me de tudo um pouco, menos a amar. Isso aprendi sozinha e como tal, aprendi mal. Não amo com facilidade mas quando o faço é em demasia. Até lá, deixo que o amor que guardo aqui dentro me asfixie em buscar de libertação… Mas ninguém aparece para o reclamar. Assim, aqui vai ficando em doses que me vão destruindo a cada inalação.

Gostaria que estivesses aqui comigo. Não sei sobre o que falaríamos. Provavelmente nada. Passaríamos os escassos minutos tentando decifrar nos olhos um do outro aquilo que os lábios recusam dizer. Há quem comunique mais só com um olhar do que com um monólogo completo. Acho que somos assim… Mas estou aqui sozinha. Como sempre estive e sempre estarei.

Uma gaivota pousa junto a mim. Veio sozinha e não parece intimidada com a minha presença. Será que também veio aqui para reflectir? Fugir de tudo?

Olho para a minha perna ensanguentada. Cada arranhão mostra-me que ainda estou viva. Tive a triste ideia de subir as rochas de chinelos… Gostava que me visses agora. Sempre te queixaste que eu nunca te deixei ver as cicatrizes que carrego comigo. Tenho agora estas? Chegam? As outras, as da alma, aquelas que sempre quiseste que te mostrasse estão tão escondidas que nem eu sei onde estão. Fazem tão parte de mim que as sinto em cada músculo, em cada cabelo, em cada poro...

Penso em ti. Será que pensas em mim? Não sorrias por saber que ainda penso em ti. Foste tudo para mim. Foste o fio de esperança que me libertou das garras da autodestruição, mas hoje és apenas mais um estilhaço que deixo ficar cravado na pele, para que caia sozinho. E hás-de cair. Irás separar-te da minha pele e da minha alma, até nada mais restar de ti do que uma vaga memória que, subitamente, deixou de doer.

Não vou ser hipócrita e altruísta. Não vou desejar-te felicidade eterna. Deixa-me ser humana. Espero que ela te maltrate e te chateie até que duvides da tua escolha. E se, por acaso, te traíres a ti próprio e lhe entregares o teu coração, espero que ela o triture e te o devolva desfeito. Não mereces melhor.

Por enquanto, vou ficando aqui. Tudo me rodeia e no entanto, tudo me parece vazio de vida, até as crianças que correm alegremente na praia em baixo. Tantas promessas em cada olhar, em cada risada. O que lhes trará a vida? Qual delas se sentará neste mesmo local daqui a uns anos, revivendo as suas perdas? Talvez um dia também por aqui caminhes, pensando em tudo o que ganhaste ou perdeste com as escolhas que fizeste. Só tenho pena que para encontrares o teu caminho, tivesses de passar por cima de quem mais queria ajudar-te a alcançá-lo. Pode ser que um dia te veja aqui, carregando dores que desconhecias. Deixa-me ver-te sofrer primeiro. Podes ser feliz depois."

10 comentários:

João Roque disse...

Minha cara Anita
este texto tem tanto de belo e de bem escrito, como de ressentimento, e não é um ressentimento qualquer, é dos fortes, dos que parece que o temp não deixa apagar.
Já reparaste que é s tu a única pessoa a ser atingida pelas tuas palavras? Porquê usar as crianças, que poderiam ser fonte de esperança e de alegria, numa hipotética continuação futura das tuas mágoas.
Amiga Anita, "o que importa acima de tudo, é a vida..."
Beijoquitas.

Miss Vesper disse...

depois? depois vem mais uma estrada, um caminho...
i guess sometimes that part of being human gets tangled up...

for the lack of better words since i have none now: love the writing!

kisses

Catwoman disse...

Gostei muito do texto, como sempre ;) Não sei se era capaz de sentir essa raiva...quer dizer, capaz era, mas em mim é sempre acompanhada (e talvez dominada)por uma tristeza ácida, bitter sadness, que me afecta mais a mim do que alguma vez possa afectar a outra pessoa...

Beijinhos

oscar almeida disse...

Anita. queria agradecer-te pelo comentário. Escrever pra mim é algo de muito recente, e quando leio um comentário como o teu fico muito feliz e com vontade de escrever mais e melhor. Tenho um blog pobre e com pouco conteúdo, mas gosto de pensar que é um blog clássico ou rústico ( lol). Antes de acabar, quero revelar-te o motivo pelo qual comecei a escrever, é que com a cronica "Raspa Raspa, como lhe chamam" que tenho no blog, fiquei em primeiro lugar num concurso de crónicas. Como foi a primeira que escrevi, senti que deveria continuar,e espero continuar com a mesma qualidade se não alguem que me avise para eu parar (lol). Obrigado e vai aparecendo.

Anónimo disse...

Mas que surpresa... Parab�ns!

Gosto do texto, gosto de o sentir.
Voltarei!

Anita disse...

querido pinguim: tens razão quando dizes que este texto está carregado de ressentimento, mas ao contrário do que possas julgar como consequência dos meus textos, eu não sou uma pessoa rancorosa. Acho que só guarda rancores quem não perdoa… eu perdoo, lá à minha maneira lol… acontece é que não esqueço… Tenho uma memória emocional impecável. E tenho momentos da minha vida em que um qualquer acontecimento me aviva uma dessas lembranças e aquilo que não foi esquecido vem ao de cima, mesmo que tenha sido perdoado… se calhar isto é tudo um monte de disparates e estou a contradizer-me a cada linha, mas é assim que sinto… lamento

Beijinhos

Anita disse...

Cris: não fiques sem palavras… costumas tê-las em melhor qualidade do que eu ;)… tudo aquilo que por aqui escrevo são aqueles pedaços de mim com os quais sou obrigada a lidar, mesmo que preferisse virar costas e ignorar que existem… necessito que essa parte “feia” saia de mim, para que todo o resto de mim possa respirar, mesmo que de forma incompleta e precária… penso que se há alguém que compreende o que tento dizer, és tu…esquece, acho que já não estou a fazer muito sentido, mas tem sido uma semana daquelas :(

Beijinhos

Anita disse...

catwoman: como alguém que me conhece há uma porrada de anos, sabes bem a capacidade que tenho para sentir raiva… infelizmente vim defeituosa e não me atribuíram nenhum dispositivo que me permita soltá-la com a frequência necessária… tenho tendência a acumulá-la dentro de mim, e quando dou conta, esta começa a misturar-se com cada pedaço da minha carne e acabo por ver a sua expressão numa tristeza solene, em constantes dores de cabeça ou faltas de apetite crónicas… enfim, nada de novo portanto lol

não sei és ou não capaz de sentir essa raiva, mas acredita, ela não dura para sempre, e quando esta finalmente repousa, é essa tristeza de que falas, que se apodera de nós…

Beijinhos

P.S. – Já agora… desde quando é que qualquer um dos meus momentos de raiva ou tristeza afectou alguém? Lá porque sofremos não quer dizer que afectemos alguém, muito menos a pessoa que nos fez sofrer… Um dos meus grandes problemas é esse mesmo, eu não afecto ninguém, nem mesmo quando quero… ponto final

Anita disse...

olá oscar… benvindo a este meu pequeno cantinho… como podes ver, tal como o teu, ainda é bebé… não precisas de agradecer o meu comentário, mas fico contente que te incentive a escrever mais ;)… fico à espera de mais posts e mais visitas hehe… e já agora, parabéns pelo prémio :)

Beijinhos

Anita disse...

olá joão… muito obrigado pela tua visita… fico contente que tenhas gostado do texto… és muito benvindo sempre que quiseres aparecer ;)… o meu estaminé gosta de muitas visitas :)

Beijinhos