terça-feira, 23 de dezembro de 2008

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Ponto morto


Acho que o dia mais triste da nossa vida é o dia em que matamos a nossa esperança. As constantes má escolhas, os sonhos aniquilados e, se forem como eu, a eterna auto-sabotagem, minam para sempre a fundação da nossa esperança e deixam apodrecer a nossa alma. A nossa vida pode não sofrer significativas variações durante a sua duração, podemos viver durante anos sem acrescentar uma vírgula ao texto que os dias repetitivos escrevem por nós, mas em algum momento da nossa jornada o passado dissolve-se no presente desmembrando assim qualquer futuro. A luz funde-se e com ela desaparecem os planos gravados nas paredes da nossa existência.

Cada dia que nasce representa um desafio, mas desta vez o esforço não se reflecte em actos únicos e ousados, mas no mais corriqueiro de todos, levantar da cama todas as manhãs. Abrir os olhos e enfrentar os dias tentanto ignorar a noite passada em branco alimentando pensamentos de auto-destruição, as lágrimas ainda frescas no rosto, a vergonha escondida em cada poro. As dúvidas consomem tudo. Neste solo queimado não há lugar para uma nova existência. Mas enquanto o solo sob os nossos pés seca, o mundo continua a girar, peça a peça.

A primeira vítima do assassinato da nossa esperança, é o corpo. As variações de peso acentuam-se. A vaidade eclipsa-se e revela-se a cada dia que passa mais e mais desnecessária. O vestuário muda. Em vez de nos expormos ao mundo, aprendemos a escondermo-nos. O traje de eleição é sempre largo e em cores escuras e discretas. O único objectivo passa a ser a fusão com o cenário e o calendário deixa de registar qualquer data significativa. Só uma coisa conta. O relógio passa a debitar os minutos para o cair do pano. Tudo acaba, mais cedo ou mais tarde. Se nos agrada achamos que acaba cedo de mais. Se nos magoa achamos a espera longa.

Viver é difícil para todos. Talvez para uns as coisas pareçam e até sejam mais facilitadas, enquanto outros permanecem eternamente numa fila interminável para oportunidades que nunca verdadeiramente se vislumbram. Mas todos acabamos por sofrer, de uma forma ou de outra. Somos animais insatisfeitos. E perante isto, apenas existem dois caminhos a percorrer, tentar viver ou tentar morrer. Certamente que há quem não entenda sentimentos desta natureza, pessoas que nunca caminharam na parte cinzenta da nossa paleta de vida, para quem tudo sempre foi preto ou branco. Muitos limitam-se a viver a sua vida tentando convencerem-se a si e aos outros de que, apesar de tudo, aquele é o caminho que escolheram. Outros ainda, preferem ignorar as cicatrizes achando-se detentores de uma verdade que só eles vêem, os doutrinadores de vão de escada que se usam como exemplo de conquistas que no fundo só a eles diz respeito. Nunca fui adepta de doutrinas. Por muito que se viva e por muito que se saiba, nada está verdadeiramente escrito e até que o sintam na carne ninguém tem legitimidade para “oferecer” salvações.

Todos somos diferentes. Aquilo que nos faz sofrer e efectivamente nos destrói varia de pessoa para pessoa. Assim sendo, também a nossa salvação depende de quem somos. Alguns acreditam que é o amor, o trabalho, o dinheiro, ou talvez a amizade, uma vida no campo, ou até quem sabe, uma viagem até ao outro lado do mundo. Somos a nossa destruição e a nossa própria cura.

É triste o dia em que nos desencantamos de nós. Queremos fugir da nossa própria companhia. Desejamos fechar os olhos e acordarmos com as feridas saradas. Tornamo-nos rascunhos animados de quem poderíamos ter sido. Algumas oportunidades perderam-se, outras simplesmente nunca surgiram mesmo quando sacrificámos tudo por elas.

Todos nós sofremos, por uma razão ou outra. Alguns chegam mesmo a não saber fazer mais nada. Como uma dependência que nenhum tratamento cura. O único vício efectivamente impossível de combater. A descida é lenta mas nunca muda de direcção. A esperança foi conquistada pelo vazio de uma certeza inglória. A partir desse momento nada mais resta do que esperar por uma absolvição que inevitavelmente trará consigo um efectivo fim ou um belo início… Quanto a mim, apenas gostaria que a descida se interrompesse, de uma maneira ou de outra…