sexta-feira, 31 de outubro de 2008

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(…)"A minha paciente era aquele tipo de pessoa que à primeira vista parece ter uma inteligência fenomenal ou um parafuso a menos. Quando constatei que se tratava da primeira possibilidade – se bem que os muito inteligentes sejam também, quase por definição, um pouco “avariados” – reconheci tratar-se daquele tipo de inteligência inconsciente do seu próprio potencial. Na minha experiência, esta é uma característica muito mais frequente nos doentes mentais do que se costuma julgar. Viver neste mundo por si só já é suficientemente complicado, e para aqueles que descortinam a realidade sem contudo possuírem recursos adequados para lidar com essa visão mais arguta das coisas, a vida torna-se muito mais complicada.



É complicada de justificar esta comum resistência humana à felicidade, a menos que para nós seja realmente preferível permanecermos defeituosos à conta daquilo que nos falta, em vez de arriscarmos a dor – uma consequência potencial do acto de entregarmos os nossos eus secretos às mãos de outrem. O desejo de se ser amado é uma necessidade tão básica quanto o desejo de comer ou beber. Porém, a entrega aos deleites de ser amado requer fibra. Pois é nesse ponto em que a vida é despertada com maior ardor que pode ser aniquilada da maneira mais excruciante, e o medo dessa possibilidade pode tragicamente obscurecer a chama sagrada."(…)

in “Do outro lado de ti”, de Salley Vickers

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

I'm in the mood for... (3)

I tell you how I feel but you don't care
I say tell me the truth but you don't dare
You say love is a hell you cannot bear
And I say gimme mine back and then go there for all I care

I got my feet on the ground and I don't go to sleep to dream
You've got your head in the clouds and you're not at all what you seem
This mind, this body and this voice cannot be stifled by your deviant ways
So don't forget what I told you, don't come around, I got my own hell to raise

I have never been so insulted in all my life
I could swallow the seas to wash down all this pride
First you run like a fool just to be at my side
And now you run like a fool but you just run to hide and I can't abide

I got my feet on the ground and I don't go to sleep to dream
You've got your head in the clouds and you're not at all what you seem
This mind, this body and this voice cannot be stifled by your deviant ways
So don't forget what I told you, don't come around, I got my own hell to raise

Don't make it a big deal, don't be so sensitive
We're not playing a game anymore
You don't have to be so defensive

Don't you plead me your case, don't bother to explain
Don't even show me your face, 'cause it's a crying shame
Just go back to the rock from under which you came
Take the sorrow you gave and all the stakes you claim
And don't forget the blame

I got my feet on the ground and I don't go to sleep to dream
You've got your head in the clouds and you're not at all what you seem
This mind, this body and this voice cannot be stifled by your deviant ways
So don't forget what I told you, don't come around, I got my own hell to raise

I got my feet on the ground and I don't go to sleep to dream
You've got your head in the clouds and you're not at all what you seem
This mind, this body and this voice cannot be stifled by your deviant ways
So don't forget what I told you, don't come around, I got my own hell to raise


"Sleep to Dream", by Fiona Apple



terça-feira, 21 de outubro de 2008

A derrota anunciada


A tinta secou e misturou com ela todas as palavras que habitam o peito. A areia da minha alma mistura-se com a cal dos meus dias e transforma-se na minha cruz. O pecado consumado derramou a última gota de sangue deste copo vazio. Nunca matei a sede, e o copo rachou.

Viveste em mim por pouco tempo. Por muito que te pedisse, nunca me deixaste conhecer o teu coração e a tua alma. A espera há muito que acabou, deixando apenas braços vazios e pedaços de esperança fora de validade, perdidos por entre as vielas do meu caminho. Escondeste-te por detrás de um passado há muito morto e que apenas tu ainda alimentas. Preferiste a solidão à promessa de algo que nenhum de nós soube ou quis identificar. O ponto nas nossas estradas que permitiu o nosso cruzamento apagou-se rapidamente. A terra desvaneceu-se debaixo dos nossos pés e antes que ela nos engolisse, decidimos continuar o nosso caminho. Infelizmente para lá daquele ponto, não haveriam mais cruzamentos. As estradas separaram-se para não mais se encontrarem.

Gostaria de te ter visto sorrir com gosto uma vez. Pintaria um quadro com o teu sorriso, para que nunca se apagasse e o pudesses ver sempre que te sentisses triste. Mas sempre fui uma má pintora. Sempre pintei os meus sonhos e não a realidade. O sorriso que desenhei no teu rosto era lindo mas não me pertencia. Apesar de tudo, gostaria de saber que sorris. Gostaria de te saber feliz e em paz.

Há meses que não pensava em ti. Não sei porque o faço agora. Cilindraste-me à chegada. Querias tudo mesmo não o sabendo. Assustaste-me. Pediste-me que me traísse a mim mesma. Exigiste que negasse tudo aquilo que a minha mente me dizia. Fi-lo. Deliberadamente voltei as costas a mim própria, desejando que o futuro não me desse razão. Preferi acreditar em ti mesmo quando cá dentro sabia que não o deveria fazer. Sabia que procuravas em mim uma substituta para algo que julgas ter perdido mas que, no fundo, talvez nunca tenhas precisado. Até hoje não sei porque me escolheste a mim. Se a tua ideia sempre foi alimentar mas nunca substituir, não precisavas de mim. Sabia que o teu entusiasmo avassalador e pouco natural não poderia durar para sempre. Havia uma inquietude e um desespero em ti que me deixavam pouco à vontade. Mais cedo ou mais tarde acordarias e verias a realidade como ela era. Estavas a usar outra pessoa para combater os teus medos por ti. E eu sempre soube que quando o pano caísse e tivesses de escolher entre essa pessoa e esses medos, escolherias viver assustado. Sempre soube que partirias com a mesma rapidez com que tinhas aparecido. Sem explicações nem desculpas. Preferirias o teu passado ao teu presente e com isso cancelarias muito do meu futuro. Não te condeno por isso. Não me surpreendeu o dia em que não regressaste. Mas nunca esperei que me magoasse tanto. Destruiu qualquer coisa que não sei identificar. Sobrei só eu. Um remendo num pano velho e sem graça.

No fundo, talvez deva agradecer-te. Não me deixaste sonhar, logo quando era o que eu mais queria. Voltaste a mostrar-me as únicas realidades que me são familiares, abandono, solidão e recomeço. Graças a ti não sei se alguma vez voltarei a virar as costas, deliberadamente, às verdades que habitam as minhas veias. Deixei de acreditar. Tudo o resto é apenas nevoeiro. O que sobrou de mim consome-se por entre os anos da minha minúscula existência em ínfimas páginas de papel. Deixaste-me o peito cheio de palavras. Essas serão a minha eterna companhia, até ao dia em que este se feche para sempre e encerre no seu interior tudo o que a vida não me permitiu ouvir nem dizer.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

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(...)"E assim prosseguimos com as nossas vidas, cada um para seu lado. Por mais profunda e fatal que seja a perda, por mais importante que seja aquilo que a vida nos roubou - arrebatando-o das nossas mãos -, e ainda que nos tenhamos convertido em pessoas completamente diferentes, conservando apenas a mesma fina camada de pele, apesar de tudo isso continuamos a viver as nossas vidas, assim, em silêncio, estendendo a mão para chegar ao fio dos dias que nos coube em sorte, para logo o deixarmos irremediavelmente para trás. Repetindo, muitas vezes, de forma particularmente hábil, o trabalho de todos os dias, deixando na nossa esteira um sentimento de um incomensurável vazio.

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Talvez tudo já esteja secretamente perdido de antemão, num qualquer lugar remoto. Ou então existe num sítio onde todas as coisas desaparecem, fundindo-se umas nas outras, até formar uma única imagem. E, à medida que vamos vivendo, mais não fazemos do que descobrir - puxando-as para nós, umas atrás das outras, como quem desenrola um fio muito fino - tudo o que ficou para trás. Fechei os olhos e esforcei-me por me lembrar do maior número possível de coisas belas que tinham desaparecido da minha vida. Esforcei-me por chamá-las a mim, retê-las entre as mãos, mesmo sabendo que a sua existência seria efémera."(...)

in "Sputnik, meu amor" de Haruki Murakami