segunda-feira, 19 de maio de 2008

O vazio do teu nome


"Escrevo o teu nome na areia e vejo-o partir com a espuma das ondas. Peço ao mar que te leve de vez para longe de mim, que retire daqui de dentro a peça do puzzle que te pertence. Sei que varreste de debaixo dos teus pés todos os cacos de quem sou. A minha alma pulverizou-se com o peso do teu corpo. Dizes que ouves música na tua cabeça, deve ser por isso que não ouves os gritos daqueles que deixas estendidos no percurso.

Apagaste-me do teu mapa como uma povoação que ninguém conhece. Gostaria de fazer o mesmo mas não posso. Memorizo tudo e como tal, não tenho borracha forte o suficiente para te apagar. Assinaste o meu corpo com tinta da china. Vives comigo mesmo que já não dê por ti. És o criador daquilo que hoje sou. Já não flamejas, aquilo que resta de ti mais não é do que uma memória tépida. Quero construir memórias novas. Existiu uma vida antes de ti e existe uma depois. Quero fazê-la brilhar. Quero poder dizer que o hoje é melhor do que o ontem e de que o amanhã será brilhante, porque cada dia que passa estou mais longe de ti. Deixei de ser mero estilhaço. Se olhares para trás e me procurares verás que já não estou onde me deixaste. No meu lugar ficou apenas a minha caixinha de sonhos. Quanto a mim, caminho por aí sem rumo por estradas que não conheces. Perdeste o direito à tua criação. Escorri-te por entre os dedos como água… e tu tão cheio de sede. Não penses que a tua suposta solidão te glorifica. Não sabes o que isso é… nunca te viste verdadeiramente sozinho… simplesmente saltas de muro em muro à procura da vista mais aconchegante. E quando os muros acabarem? Voltas atrás e tentas começar de novo? Nessa altura abrirás os olhos e pela primeira vez verás todas as vítimas da tua guerra… os dedos gelados da solidão irão percorrer-te o corpo e transformar-te em pedra… provarás o teu próprio remédio e a tua verdadeira voz desaparecerá por entre as frinchas do teu coração.

Escrevo o teu nome na areia e espero que o mar te leve. Ao largo vejo o navio inacabado que pensei estarmos a construir. A luz do sol rasga as nuvens e mostra-me todos os furos no casco… a água continua a entrar mas não o afunda… Mantém-se à tona como o último sobrevivente de uma batalha que aguarda a autorização do seu comandante para a viagem derradeira até ao mais profundo do mar. Vejo-te na proa, olhas em frente, certamente procurando outro cais onde atracar e construir o teu porto de abrigo… espero que o encontres e lances finalmente a âncora que todos os que te amaram construíram em conjunto só para ti…

Olho para a areia… o teu nome desapareceu… só cá ficaram as minhas pegadas, os grãos de areia e o esboço do meu nome que nunca ninguém escreverá…"

1 comentário:

Joana Roque Lino disse...

o esboço do nome que ninguém escreverá... um grande beijinho, anita. bom fim de semana.