terça-feira, 4 de março de 2008

O príncipio do fim do princípio...

"Perguntas-te… o que será o princípio do fim?... e o fim do princípio?... Sentes que conheces qualquer um destes pontos de partida, mas não te recordas como. Estradas perpendiculares em cujo cruzamento terás de tomar uma decisão. Caminhar para o fim ou para o princípio?

Sentas-te no cruzamento e pensas na tua existência e no que fizeste dela. Apercebes-te que a morte que sentes dentro de ti é real. A imaginação abandonou o barco em que navegas há muito tempo e os sonhos passaram a ser preenchidos por pequenos conjuntos vazios.

Fechas os olhos com força e decalcas todos os passos que deste. E de súbito a verdade apresenta-se livre de todas as cortinas que teimavam em escondê-la. Tantas vezes olhaste naquela direcção e ela nunca se apresentou. Algures pelo caminho deixaste-te morrer. Ofereceste ao mundo que te rodeia a capacidade para te destruir. A tua falta de egoísmo coloca-te sempre em último lugar. A brisa fria e cruel da verdade faz-te abrir os olhos e mirar as estradas que podes percorrer. Começar de novo? Dar a caminhada por concluída? A capacidade que possuis para te levantar sempre que cais é superior àquilo que imaginavas, pois não foram os tropeções que deste que te destruíram. Mal ou bem sempre conseguiste sobreviver a tudo, até ao dia em que te apercebeste daquilo que te recusavas a ver. Não foi a morte de um ente querido que te matou. Não foi a traição que te matou. Não foi o amor não correspondido que te matou. Não foi a desilusão que te matou. Foi a indiferença que te cortou as asas e te mostrou que nunca soubeste voar. Sempre foste invisível. Passaste a ser confundível com o pano de fundo. Nunca desejaste destaque mas nunca esperaste tanto desprezo. A tua invisibilidade cegou-te e já não te vês. A amostra de vida que tiveste não passou de uma série de vislumbres que decidiste complementar com a tua imaginação. Vês o mundo através de uma janela porque desististe de bater à porta. Sobrevives na periferia da vida. Sabes que lá dentro nunca houve lugar para ti.

Ninguém vê. Partiste os espelhos à tua volta e enterraste com eles toda e qualquer vaidade. Castigas o corpo desejando intimamente que ele sucumba ao cansaço. Acordas de manhã sabendo que se desaparecesses naquele momento ninguém notaria. Arrastas-te para o trabalho mesmo que não te apeteça ver ninguém, porque o teu senso de responsabilidade injecta-te com a força que te obriga a mexer. Ao fim do dia gatinhas até casa. Pelo caminho escondes os olhos com livros e os ouvidos com música. Preferes ignorar o que te rodeia do que constatar mais uma vez que o que te rodeia te ignora. O mundo esqueceu-se de te colocar na sua engrenagem e tu já não queres aprender. Deixaste de esperar coisa alguma. Limitas-te a riscar os dias no calendário como quem faz palavras cruzadas.

Perdeste as armas para combater a solidão. Ela sempre lá esteve, corroendo-te as defesas, mesmo quando te recusavas a vê-la. Hoje em dia já não te consegues separar dela. Faz parte de ti. Já não consegues disfarçar a forma como te corrói a alma. Não respiras sem o seu consentimento.

Em criança quiseste mudar o mundo. Cresceste com a convicção de que tinhas algo para lhe oferecer. No fundo, pouco lhe deste… e nada mudou… O mundo não sabe que existes. Sempre preferiste os caminhos pouco iluminados. Limitaste-te a caminhar pela estrada que te pareceu melhor na altura. Não questionas as tuas escolhas, apenas esperas que deixem de te sufocar. Aprendes a viver com a dor e deixas de a combater. Já sabes reconhecer as causas perdidas e todos os seus vencidos anunciados e vencedores sem categoria.

Olhas à volta. Sabes a resposta ao dilema. No fundo sempre soubeste onde a tua caminhada te levaria… houve lições que aprendeste cedo demais e se ainda hoje repetes erros é porque gostas do sabor do sangue quando cais no chão pedregoso e sujo que resolveste trilhar… o caminho é sempre o mesmo… e cansa percorrê-lo… até lá há sempre o princípio do fim do princípio… e a escolha de um ponto de chegada…"


“Sinto-me tão isolado que sinto a distância entre mim e o meu fato.”
Bernardo Soares

1 comentário:

Joana Roque Lino disse...

Anita,
O mundo sabe que tu existes. Tu é que pensas que não... E tal como repetes os erros que te trouxeram dissabores e amargos de boca, todas as pessoas que te rodeiam fazem o mesmo. No entanto, todos nós reagimos de maneira diferente... mas todos nos magoamos, todos somos, em algum momento, votados à indiferença, todos sentimos já um virar de costas que nos doeu demais, muitos de nós perderam já alguém cuja partida é dolorosa demais, muitos de nós sentiram já um bater ensurdecedor do coração por alguém cujo coração apenas nos sentia com serenidade. Sabes, Anita, tenho aprendido ao longo da minha vida que somos todos, apenas, iguais. E vamos aprendendo a gerir os sentimentos de uma maneira ou de outra. Tu és especial. E é sempre assim que tens de te sentir. Tu és especial e não há ninguém neste mundo que te possa dizer o contrário. Tu foste uma das pessoas que fez um dos comentários mais bonitos que eu já tive no na boca dos dedos, por isso, para mim, tu és especial. ;) um beijo grande. Ah... e deixar de escrever? Só se for para descansar.