segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

365 dias depois...

"Ano novo. Vida velha. Horas infinitas repletas de pequenos vazios tão familiares como o teu rosto. Não consegues evitar olhar para trás e procurar vestígios de vida no ano que acabou. Por muito que penses o contrário, ela existe. Não viveste os momentos com que sonhaste mas viveste outros. O coração bateu mesmo que lentamente. Sorriste inúmeras vezes. Gargalhaste umas quantas. Choraste mais vezes do que consegues contar. Sentiste. Mesmo sem o desejar, sentiste. Não és imune a quem te rodeia. Preferias que assim fosse. Seria mais fácil encarares o vazio sem que nada conseguisses sentir. Não haveria tristeza. Não haveriam delírios com uma felicidade que só os iludidos conquistam.

Nunca gostaste de passagens de ano, nem mesmo quando tinhas algo a desejar. Aquela mudança no relógio realçada com explosões de alegria e raios de luz dos fogos de artificio, sempre te angustiaram. O fim de algo. O começo de mais uma jornada incógnita. Com o passar dos anos foste-te apercebendo do teu erro. Pouco vias quando ousavas olhar para trás e já nada querias quando pensavas em frente. Cada passagem de ano vias-te com os mesmos pensamentos e desejos que no ano anterior. Há precisamente um ano atrás, querias acreditar que talvez nesse novo ano a tua vida finalmente começasse e pudesses ser feliz de uma forma que fizesse sentido, mesmo que mais ninguém o entendesse. Mas aqui estás tu em modo repetitivo. Mais uma vez… nada…

Há quem celebre mais um ano que acabou e as coisas que com ele vieram. Outros anseiam pelo que agora começa, sonhando com visões de encantamento. Ouves o exaltamento de todos à tua volta, mas não te mexes. Gostarias de ignorar a data, mas não consegues. O teu espírito destrutivo força-te a analisar o ano que agora te deixa. Estás exactamente onde estavas há um ano atrás. Constatas que durante este ano perdeste a fé em alguns dos teus amigos e já não acreditas que alguma vez os voltes a ver. As suas vidas levaram-nos para longe de ti. E onde eles estão não consegues alcançar. No entanto, descobres amigos onde menos poderias esperar, logo no momento em que te apercebeste que o teu caminho era um caminho solitário. Não consegues evitar que eles se apoderem dos teus sentimentos. Mas tens medo. É mais forte do que tu esperar pelo momento em que te abandonarão. É tudo o que conheces. Do amor não esperas mais nada. Deixaste de aceitar migalhas. Por muito que te magoe já sabes o caminho de cor e salteado. Descobriste-o no dia em que te destruíram. Ainda julgaste poder contrariá-lo, mas sabes hoje que tal é impossível.

Sofres mas preferes esconder cada gota de sofrimento, para que ninguém se aperceba dele. É a tua tortura preferida. No meio do peito tens uma ferida que não sara. Cada golpe que a vida te oferece é desferido sempre no mesmo local, para que jamais possa cicatrizar. Enganaste-te ao julgar que te habituarias a ela e que por isso deixaria de doer. Dói cada vez mais e rouba-te das forças que necessitas para sonhar. Quando convives com as pessoas de quem gostas esqueceste da dor, mas ela permanece lá e atinge-te como uma onda quando te vês novamente só. Ela é soberana e rouba-te um bocadinho de ti a cada dia que passa. Paras por um momento e olhas para a chuva que cai. Tu sabes a verdade mesmo que tentes escondê-la. Possuis uma ferida mortal. Morrerás por ela, mesmo que o teu coração continue a bater e os pulmões se encham de ar. O teu corpo muda. Todos os dias descobres um osso novo. Os teus olhos vivos vão perdendo o brilho de outrora, tornando-se baços e bocejantes. A tua alma deseja abandonar-te para não mais voltar. Mas tu não deixas. Tratas da ferida e procuras acalmar a sua raiva. Ainda não, dizes. Ainda não. Permaneces à espera… não sabes de quê nem para quê, quando no fundo sabes que nada virá… mas não desistes de esperar… ainda…"

3 comentários:

Miss Vesper disse...

"And, as he relished most all things of sombre hue,
He'd sit in the bare, shuttered chamber, high and blue,
Gripped in an acrid, piercing dampness, and would read
The novel that was always running in his head
Of heavy, ochre skies and forests under floods
--Then vertigo, collapse, confusion, ruin, woe!--
While noises of the neighborhood rose from below,
He'd brood alone, stretched out upon a canvas,
prophesying strongly of the sail!...
"

rimbaud

Dream of a sail ;)

beijinhos

Anónimo disse...

Há feridas cuja cicatriz nunca desaparece; vamo-nos habituando a viver com elas, fazem parte de nós, até a própria dor ser integrada na rotina da respiração. Que a chuva lave as lágrimas, e a perspectiva da primavera perfume o futuro. Beijo!

Anónimo disse...

É bom que não se desista mesmo...

Quando se espera... não se sabendo o quê, nem para quê... há que ficar mais atento ainda... Ou não será assim?

Já sabes a minha opinião sobre estes textos e quanto eu os aprecio.

É bom regressar aqui ao teu círculo ;)