segunda-feira, 24 de agosto de 2009

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... para mim, talvez a melhor cena de "Sinedoque, Nova Iorque"...

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Melodias incertas


De tanto bater o meu coração parou... Para uns não passa de uma frase bonita mas sem sentido. Para outros, o título de um filme. Para outros ainda, o diagnóstico de uma morte há muito anunciada... Haverá vida antes da morte? Ou tudo isto que nos rodeia e agita não passa de projecções de mentes famintas de emoções?

Cada nova sensação, cada novo acontecimento surge-nos como uma lufada de ar fresco num dia a dia recheado pelos mesmos odores que aprendemos a conhecer de cor. O cheiro da rotina. O cheiro do medo. O cheiro da certeza. Mas, subitamente e por uns breves momentos, reaprendemos a respirar. O peito expande-se. O pulmões enchem-se de ar e de esperança. E o coração, esse orgão feio e desproporcional, romantizado até à exaustão, ergue a sua batuta e define um novo ritmo. A vida começa onde o convencional acaba.

Alegria. Tristeza. Amor. Dor. Experimentamos um pouco de tudo ao longo desta vida, ou pelo menos, tentamos. Corações expostos sem a armadura que só a vida constrói. A inocência da infância e da adolescência leva-nos a abrir o peito a tudo e a todos sem pensarmos nas infecções que provocam e que só o esquecimento ensina a sarar. Alguns batem somente para receber, como senhores de reinos místicos e desertos. Outros vivem em permanente saldo negativo, dando sem parar e jamais recebendo a recarga necessária à sua sobrevivência.

Sempre me perguntei o porquê de associarem o amor ao coração humano, especialmente, se considerarmos a diferença entre aquilo que pulsa dentro de nós e as suas desencantadas representações nos cantos das páginas que guardam os nossos segredos. Se amamos com o corpo todo, porque só o coração ganha com mérito? Mesmo destruído impõe-se como um vencedor. Será porque é o único orgão sem o qual jamais podemos funcionar? Talvez. Ou será porque não passa de um emaranhado de sangue, nervos e convulsões, como tudo o que é autêntico? Provavelmente. Tudo em nós ama e só depois de mortos é que temos autorização para deixar de o fazer...

Nada mais somos do que seres orgânicos a quem foi oferecida a benção de pensar. Tudo o resto é química, seja lá o que isso for. Porque sorrimos? Porque choramos? Porque contemplamos a nossa própria mortalidade? Porque amamos? Tudo é inexplicável e, talvez por isso, tão belo... Procuramos significados onde não existem. Exigimos que nos apresentem um guião que possamos seguir indiscutivelmente. Voamos sem asas. Sonhamos sem dormir. Amamos sem sentir. As fórmulas científicas de nada servem. Aquilo que sentimos ultrapassa a nossa vontade. Vivemos presos. Alguns, prisioneiros dos seus pensamentos, outros dos seus sentimentos. Sofrimento inglório impossível de se combater.

De tanto bater o meu coração parou. Bateu vezes demais e eu nunca deixei de lhe exigir mais e mais. Cada paixão, cada expectativa, cada sonho levava-o ao limite de batidas. Depois a realidade batia à porta e obrigava-me a tropeçar e, por uns instantes, era-lhe permitido descanso. Até que num dia que se apoderou do meu calendário desde então, uma sobrecarga de emoções obrigou-o a parar. As coisas boas misturaram-se com as más e tudo deixou de fazer qualquer sentido. Ainda revejo e sinto o último batimento. Depois nada... E a brisa transformou os dias em semanas que cresceram para meses. Nada... Os elogios sabiam a areia. No peito nada se mexia. Os beijos faziam comichão no céu da boca. No peito nada se mexia. Os golpes por mais dolorosos e profundos que fossem eram mastigados como pastilha elástica e deitados fora antes de perderem o sabor. Mas no peito tudo permanecia no mais profundo silêncio. Até que surgiu a recarga eléctrica que parecia fraca demais para reanimar fosse o que fosse. De repente, gritaram-se palavras de amor. O corpo agitou-se na sua infinita dança de sedução. Ambos exigiram que aquele saco de sangue amorfo e ridículo renascesse. Uma batida de cada vez. O compasso de uma música sem fim à vista. E assim, o que jazia morto reergeu-se. Acordou, olhou em volta e apesar de não ter gostado do que viu, insistiu em continuar a sua música. Mas, como tudo o que regressa, voltou diferente do que quando partiu. Bate agora frágil, meio vazio e desconfiado. Mas bate... e vai batendo...

Numa fracção de segundo que durou uma vida, o meu coração parou. Até que se lembrou de que nasceu para bater e decidiu que só pararia quando não houvesse nada no mundo pelo qual valesse a pena cantar a sua melodia. Ainda há muitas conquistas e mágoas por comandar. Quando já nada mais houver para sentir, então aí terá chegado a hora do descanso merecido e duradoiro. Até lá... apenas viver. Batimentos ritmados... pulsações descompassadas... melodias excêntricas e incertas... até ao fim... até o último acorde vibrar... até a música deixar de ter história e as notas perderem o seu som...